terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

O que o Papa Francisco irá mudar na Igreja?




O cardeal hondurenho Óscar Maradiaga defende a criação de um secretariado de finanças que agrupe os atuais órgãos econômicos da Santa Sé e seja confiado a um único cardeal. Maradiaga afirma ainda que o papa vem pedindo uma ampla descentralização na Igreja, colocando leigos, homens e mulheres, em posições de “corresponsabilidade”.


Os oito cardeais que formam o "G8 do papa" e que o aconselham na reforma do governo da Igreja se reuniram pela terceira vez na semana passada. Como está indo a reforma?


Vamos pelo menos chamar esse conselho de "C8", com "C" de cardeais! O Santo Padre nos explicou desde o início o seu método: o discernimento, que consiste em escutar, dialogar, rezar e agir, no sentido de elaborar propostas. Na ordem, o papa quis que começássemos pelo Sínodo dos Bispos. Ele queria que fosse uma coisa diferente de um corpo que se reúne para discutir um tema e que no fim produz um texto; ele queria que fosse, em vez disso, um órgão consultivo permanente. Depois, nós reunimos todas as nossas observações sobre a Secretaria de Estado. Lembramos que, originalmente, o secretário de Estado era definido como o secretário do papa: ele não era como um primeiro-ministro ou como um vice-rei. Em dezembro, começamos a avaliar cada uma das nove congregações da Cúria Romana. Ainda não terminamos. E também estamos trabalhando em vários conselhos pontifícios e vamos apresentar propostas a respeito deles. Nestas reuniões de agora, estamos ouvindo as duas comissões de peritos que o papa criou para examinar o Instituto para as Obras de Religião (o IOR, conhecido como “banco do Vaticano”) e todas as instituições bancárias da Santa Sé. Eles nos relatam os resultados das suas investigações e isso é muito interessante. As decisões vão ser tomadas depois disso. Não esperem que, a partir de amanhã, o banco do Vaticano desapareça em favor de um novo banco. Mas com certeza vai haver mudanças.


A supressão do IOR é uma possibilidade?
Tudo depende do que surgir dos relatórios. Mas é melhor curar um doente que ressuscitar um morto. E amputar um braço eu acho que é o tipo de cirurgia que nós vamos evitar.


Está circulando a ideia da criação de um "Ministério das Finanças". Isto procede?
Sim, nós poderíamos chamá-lo de secretariado de finanças. É uma ideia muito razoável e, creio eu, é necessário para uma organização melhor, para servir melhor ao objetivo. As finanças estão divididas hoje entre vários dicastérios: o da Administração do Patrimônio da Sé Apostólica, a Prefeitura dos Assuntos Econômicos, o governo do Estado da Cidade do Vaticano, o IOR.  E também há o patrimônio gerido pela Congregação para a Evangelização dos Povos...
Exatamente. Talvez, mas isso faz parte do debate que estamos realizando, uma ideia seja ter apenas uma pessoa responsável por tudo.


Um leigo ou um cardeal?
De acordo com a organização atual do Vaticano, é provável que um cardeal fique a cargo do secretariado de finanças. Mas também podemos pensar em um conselho permanente para ajudá-lo, que inclua leigos.
 
E sobre o projeto de uma Congregação para os Leigos, que o senhor tanto aprecia?
Sem dúvida, é necessário na Igreja. Há uma Congregação para os Bispos, uma para a Vida Religiosa, uma para o Clero e apenas um Conselho Pontifício para os Leigos, apesar de que os leigos são a maioria na Igreja. Não podemos continuar assim. Depois do concílio Vaticano II, os leigos só têm um secretariado. O Pontifício Conselho é limitado, porque não tem poder legal. Por isso é necessária uma Congregação.


Dirigida por um leigo?
Não sei. Por outro lado, dentro dessa Congregação para os Leigos, eu não vejo nenhum obstáculo para um Conselho Pontifício para as Famílias que seja chefiado por um casal. Por que não? Seria um sinal magnífico! Uma Congregação para os Leigos seria uma coisa muito bonita na Igreja. Eu posso lhe dizer que o Espírito Santo nos empurra nessa direção. A cada dia, mais e mais homens leigos e mulheres leigas assumem a sua corresponsabilidade como dirigentes na Igreja. Isso está escrito na história em muitos lugares. Na Coreia, foram os leigos que começaram a evangelização. Por isso, o papa vai viajar no próximo verão para incentivar os leigos.

As Redes Sociais estão cheias de conteúdos pouco qualificados e nada edificadores. Então publicamos diariamente o Evangelho com um apelo visual atrativo na busca que haja retenção dos leitores pelo conteúdo essencial à vida, a Palavra. Sim, porque as coisas boas precisam de tempo. Estamos comprometendo o futuro e não podemos improvisar. Quem improvisa fica mais sujeito a errar. Precisamos de tempo para assimilar uma mentalidade diferente, uma mudança que não é nada fácil.


A descentralização defendida pelo papa também vai ser uma das grandes tarefas?
Sim, o papa quer. Ele não quer que tudo vá parar nos dicastérios de Roma para ser resolvido e afirma que o Espírito Santo sopra também nas conferências episcopais e nas dioceses locais. A subsidiariedade é um dos princípios da doutrina social da Igreja e a descentralização é um meio para colocá-la em prática. De acordo com a eclesiologia do Vaticano II, o papa governa a igreja com a colaboração de todos, sem reservar para si mesmo todas as decisões.


Através de consulta, como no caso do questionário sobre a família?
Exatamente. Deveria ser sempre assim na Igreja. Escutar todas as vozes, mesmo as dissonantes. O questionário não foi uma coisa extraordinária. Deveria ser o método normal. E vai ser. Basicamente, o questionário revela a existência de abordagens opostas sobre a família no mundo.
Sim, as experiências são muito diferentes. Mas a Igreja é uma mãe que acompanha todos os seus filhos, não só os filhos "muito bons". A mãe incentiva todos da melhor maneira, respeitando a liberdade de cada um. É por isso que nós temos uma pastoral da família, e não apenas leis. A pastoral serve para acompanhar cada um, para que cada pessoa possa viver o ideal. Às vezes não é possível, porque somos criaturas limitadas, mas temos que tender ao ideal.

O "C8" se reunirá novamente dentro de dois meses, certo?
Nós vamos nos reunir no final de abril, depois da canonização de João XXIII e de João Paulo II. Muitos de nós já estaremos em Roma e isso vai poupar custos. Até lá, vamos ter todo o material para estabelecer uma nova constituição apostólica, que terá um nome diferente de "Pastor Bonus", a constituição que atualmente rege a cúria. Esse texto vai permitir reformá-la. Mas tudo depende do tema sobre o qual o Santo Padre quiser nos consultar. Cabe a ele avaliar se ainda é necessário nos reunirmos. O número de cardeais no conselho também pode ser ampliado, se ele achar oportuno. A cúria é apenas uma das tarefas de reforma.

Do Aleteia

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